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Encontro dos Profetas recebe neto de Patativa do Assaré

Daniel Gonçalves apresentou as origens do cordel e histórias do avô

Publicada em 14/12/2018 Atualizada em 29 de Novembro de 2024 às 09:47

O III Encontro dos Profetas da Chuva dos Inhamuns recebeu, na última quinta-feira (13), Daniel Gonçalves, neto do poeta cearense Patativa do Assaré. Herdeiro do ofício do avô, ele ministrou uma oficina sobre elaboração de cordéis no Centro de Educação, Ciências e Letras dos Inhamuns (Cecitec) da Universidade Federal do Ceará (Uece).

Durante a oficina, Daniel Gonçalves apresentou as origens do cordel, gênero literário popular no sertão nordestino caracterizado por trazer causos e notícias do dia a dia. Ele ressaltou as peculiaridades da obra do avô, que se diferenciava dos cordéis comuns da época por carregar um alto teor de crítica social e levantar a bandeira dos oprimidos, além de conter uma riqueza poética estudada inclusive em outros países. Os poemas de Patativa eram, segundo Daniel, um retrato autêntico da vida sertaneja: "Eu respeito todos os escritores que falaram do meu sertão, mas Patativa do Assaré escreveu o que ele viveu, só o que ele sabia", diz.

O momento foi uma oportunidade para o público ouvir recitações de obras importantes de Patativa, como Brosogó, Militão e o Diabo, e histórias curiosas sobre o poeta, como quando ele foi preso por criticar o prefeito de Assaré. "Eu achei maravilhoso. Isso motiva a gente a gostar ainda mais dessa forma de representar a cultura", conta a agente de saúde Cícera Munder. Seguindo os passos do avô, Daniel anunciou ainda o lançamento do primeiro seu livro de poemas, Ser Tão Sertão, para o início de 2019.

A oficina de elaboração de cordéis teve também a participação da cordelista Sâmia Lima, aluna do curso de Licenciatura em Letras do IFCE Tauá. Durante a tarde, o evento ofertou mais duas oficinas: Raizeiras: tratamentos populares e Profecias da Chuva. À noite, foram realizadas atividades culturais no Parque da Cidade, com recitação de poesias e uma apresentação da Orquestra Armorial do Cariri.

Confira entrevista com o poeta Daniel Gonçalves:

Você começou a fazer poesia com quantos anos?

Com oito anos de idade.

Seu avô chegou a ouvir algo que você escreveu?

Ouviu. Ele chamou minha atenção umas duas vezes porque eu tinha o hábito de colocar no cordel, por exemplo, uma coisa engraçada no meio e outra no final. Ele dizia "Olha, tu tem que dar um desfecho só, tu tá dando dois". E ele não tinha essa questão de dizer "Refaz esse verso ou refaz aquela estrofe". Não. Era "Refaz o poema todo. Pode usar a ideia, mas refaz o poema todo".

Então, ele chegou a dar uma orientação nesse sentido...

De métrica mesmo eu não aprendi com ele. Eu vim aprender já depois com os mesmos livros que ele leu, como Tratado de Versificação, de Olavo Bilac, que é um dos parnasianos. Olavo Bilac era terrível na sua linguagem, e ele leu, compreendeu e viu que nada era estranho pra ele. É um livro que eu compreendi também.

Como era o Patativa avô?

Simples, humilde. Era muito apegado. Rígido também. Ele colocava seus limites. Eu lembro de quando eu era criança, tinha muitas regras que minha mãe tinha herdado dele. Não podia dizer palavrão, não podia gritar... E a gente foi crescendo nesse sentido e acima de tudo sendo apegado e amoroso com a família.

Qual é o principal legado que ele deixou para você?

A poesia. Eu sei que eu nasci com o dom de fazer poesia, foi Deus que me deu. Mas a linguagem patativana, a linguagem do poeta, é o maior legado. Eu vejo A Triste Partida, Ingém de Ferro, Mãe Preta, A Morte de Nanã e penso "Meu Deus, esse gênio tão grande é meu avô". Às vezes, é como se a ficha não tivesse caído. E o legado maior é esse, é a poesia, é o nome de uma cultura, porque a gente defender uma cultura é interessante. Você pode defender com a música, que entra fácil. Se tiver um balanço legal, qualquer música entra. E a poesia? O músico, ele lança uma música, solta na internet hoje e, se ela for legal, todo mundo baixa. O poeta, não. Ele tem que fazer a poesia, publicar um livro, correr atrás, dar uma palestra, divulgar, soltar pros amigos e, se a poesia for boa, ela pega. Então, é muito difícil. E Patativa do Assaré ensinou que tudo é possível. Ele pegou uma época extremamente mais difícil que a minha. Hoje, uma criança de dez anos de idade tem um celular no bolso. O meio de comunicação que ele tinha era o rádio e nada mais. Então, esse legado é a poesia e a perseverança de nunca desistir.

Você é autodidata no estudo de poesia?

Que Deus me perdoe. Que vocês, universitários, me perdoem. Mas, se vocês soubessem os livros certos pra ler e a forma certa de aprender, a universidade ia servir só pra imprimir diploma. Pra um poeta, é isso. Descubra o livro certo que vai te ensinar a metrificar, que, se tu tem inspiração e a métrica, acabou, tu não precisa ir mais na faculdade. Poeta não tem faculdade e nem faz muita questão disso. Eu vejo doutores universitários que tentam escrever um soneto e não conseguem, e nós, poetas, conseguimos fazer tudo metrificado, e muitos nunca nem colocaram o pé na escola, como ele mesmo (Patativa), que colocou cinco meses só.

Sobre o que você acha que o Patativa escreveria se estivesse vivo hoje?

Ele iria escrever sobre sertão, mas com uma visão diferente. Se você for analisar o período em que ele viveu, ele escrevia de acordo com o que ele vivia. Com certeza ele ia falar da tecnologia que suga a gente, da cegueira que a gente vive no mundo de hoje, que a gente é tão fissurado em ganhar dinheiro e esquece muitas vezes de viver. Quando eu comecei a escrever meu livro, eu escrevia o que estava vivendo naquele momento e pensei "Eu não posso escrever sobre uma seca do passado, sendo que eu não estou vivendo ela hoje. Não posso escrever sobre o nordestino que migra, se ele quase não migra hoje". Em algumas vezes, eu escrevi exatamente o que a gente vive nos dias de hoje. Em um dos meus poemas, Morrendo aos poucos, eu falo disso. A gente vive querendo, um dia, juntar uma fortuna pra viver, aí no final da vida tudo que a gente juntou a gente gasta de novo pra recuperar o que a gente perdeu tentando juntar.

Por: Larissa Lima (Tauá)