Neabi de Cedro emite nota sobre Dia da Abolição da Escravatura
Mensagem lembra assinatura da Lei Áurea e reforça o protagonismo negro na sociedade
Publicada em 13/05/2021 ― Atualizada em 14 de Novembro de 2024 às 13:59

Em alusão ao Dia da Abolição da Escravatura,13/8, o Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas (NEABI) do IFCE, campus Cedro, emitiu nota sobre a data. A autoria é da professora Deyseane Pereria dos Santos Araújo. Abaixo está a íntegra do texto:
"Exu matou um pássaro ontem, com uma pedra que só jogou hoje.
Ditado Iorubá
É com este ditado Iorubá que queremos tratar da controvérsia existente em torno de um dos mais importantes acontecimentos da História do Brasil: a abolição da escravatura. No dia de hoje, 13 de maio de 2021, 133 anos após a assinatura da Lei Áurea, queremos, como Exu, “lançar pedra” sobre o passado, reinventar a memória e subverter o tempo. Dito de outro modo, ao trazermos à superfície do texto o protagonismo negro, tantas vezes silenciado e negado dentro do processo abolicionista, visamos provocar uma cisão discursiva, um curto-circuito na máquina colonial que deslegitima as lutas negras travadas durante quase quatro séculos de sistema escravista.
A história, como (re)produtora de esquecimentos, invisibilizou o fato de que, antes do despontar do dia 13 maio de 1888, diversas lutas foram engendradas por negros e negras que buscaram resistir ao enquadramento de sua diversidade em um corpo etnocêntrico. É só fazermos um recorte e olharmos, por exemplo, para o período pós 1830, marcado por fugas coletivas e individuais, revoltas contra feitores e senhores e criação de associações abolicionistas. Dentre as lutas organizadas de forma coletiva, destacamos aqui os Quilombos, as Irmandades Negras, a Revolta dos Malês, a Balaiada e a Rebelião do Divino Mestre, para ficarmos em algumas.
À revelia do fato histórico que apresenta a Princesa Isabel como redentora única da Abolição, algumas figuras negras, cujos nomes fazemos questão de citar, foram fundamentais para o estremecimento da clausura colonial, a exemplo de Luiz Gama, abolicionista que conseguiu a liberdade e a garantia de direitos de vários escravizados; de José do Patrocínio, ativista político que, apesar de, historicamente, ser considerado traidor, angariou fundos para as associações abolicionistas; de André Rebouças, intelectual criador de sociedades antiescravistas, dentre tantos outros que fizeram resistência à escravidão e ao preconceito racial.
Acreditamos que apagar os movimentos e personagens acima citados é, antes de tudo, um projeto de perpetuação de poder e de controle do imaginário. Neste sentido, a nossa resistência precisa ser, em primeiro lugar, uma resistência pelo direito à memória, pela visibilidade da história dos considerados vencidos, para que, através disso, um outro futuro, fora da chave inexorável da colonização, seja (re)inventado.
Sobre esse futuro ainda utópico, se a “liberdade” vivenciada na manhã do dia 14 de maio de 1888 significou o descarte, a exclusão e a vivência em um estado de exceção, demonstrando que os interesses políticos e econômicos eram, muito mais do que a motivação antirracista, os fundamentos desse processo, atualmente, a população negra ainda continua sendo oprimida pela necropolítica estatal disseminada a partir da rizomatização do racismo em todas as relações sociais.
O racismo institucionalizou-se. É herança advinda do regime escravocrata. Apesar de todos os esforços travados por negros e negras ao longo da história, a Lei Áurea, sonhada e idealizada por muitos, encontra-se, ainda, inconclusa. Aqueles que no passado foram escravizados já apontavam para o fato de que somente uma mudança na forma de enxergar o corpo negro dará o vislumbre da verdadeira liberdade. Antes disso, tudo será utopia, pois enquanto existir uma pele alvo; enquanto a maioria das pessoas mortas pela polícia forem negras (80 tiros?); enquanto o percentual de alunos negros nas instituições de ensino superior ainda for insignificante; enquanto não existirem políticas públicas de saúde e de educação voltadas para a população negra; enquanto a história contada for a história dos ditos vencedores; enquanto a cultura e a religião afro-brasileira não for efetivamente ensinada nas escolas; enquanto não percebermos que mais de 50 % da população brasileira é negra; enquanto não promovermos, de fato, práticas antirracistas... a abolição nunca se efetivará."
Anderson Lima-campus do Cedro